sexta-feira, 9 de abril de 2010

RIO - Em nove anos, de 1999 a 2008, as favelas do município do Rio de Janeiro se expandiram por uma área de cerca de três milhões de metros quadrados, o equivalente a quase quatro Rocinhas - comunidade que tem 865 mil metros quadrados. O número, calculado pelo Instituto Pereira Passos (IPP) com base em fotos de satélite, no entanto, não revela o real crescimento das favelas, já que a verticalização (construções sobre lajes) e o adensamento (casas que surgem no meio de outras) não podem ser avaliados pelas imagens. Para o Rio Como Vamos (RCV), a expansão das comunidades é uma preocupação constante e é imprescindível que o poder público mantenha uma política continuada capaz de acompanhar esse crescimento.

- Nos preocupa o que essa expansão representa em termos de aumento populacional das comunidades e se a oferta de serviços públicos está sendo dimensionada para atender ao crescimento do número de pessoas. Com que indicadores estão sendo formuladas as políticas públicas? - pergunta a presidente executiva do Rio Como Vamos, Rosiska Darcy.

O último Censo do IBGE revelou que, em 2000, o Rio tinha 1,8 milhão de domicílios. Desse total, 16,8% estavam em favelas, onde moravam 19% da população carioca (1,09 milhão de pessoas). Praticamente a metade desses imóveis localizava-se na Zona Norte, a Área de Planejamento (AP) 3. Em 2007, o instituto fez uma projeção do crescimento populacional da cidade. Contudo, segundo demógrafos, cálculos para se estimar a população de recortes específicos, como o das favelas, não costumam ser feitos, já que os resultados são imprecisos. Assim, quando precisam de dados para elaborar projetos, os órgãos públicos optam por um levantamento localizado.

A população das favelas só será conhecida no recenseamento de 2010. Expansão de favelas pode ser monitorada por satélite o IPP comparou as imagens de 2008 com as de 1999, o que revelou que a área total das favelas cresceu 6,88% no período. No ano passado, o total ocupado era de 45,8 milhões de metros quadrados. A região com maior crescimento foi a Zona Oeste, seguida de Barra e Jacarepaguá. Já na Área de Planejamento 2, Zona Sul - que inclui as regiões administrativas da Tijuca e de Vila Isabel -, o território total das favelas teve pequeno decréscimo, devido à redução de comunidades como a Arrelia (-19,8%), em Vila Isabel. Uma explicação para a retração seriam as obras de urbanização nas comunidades, onde construções em locais de risco foram removidas.

Segundo o estudo intitulado "O efeito da presença governamental sobre a expansão horizontal das favelas do Rio de Janeiro", do IPP, o crescimento das comunidades no período 1999/2008 seguiu a tendência geral de expansão da cidade, para Barra/Jacarepaguá e Zona Oeste.
Mais do que mostrar o crescimento horizontal das comunidades, o estudo do IPP avaliou o efeito do Programa Favela-Bairro e dos Postos de Orientação Urbanística e Social (Pouso) para a contenção do crescimento das comunidades. Lançado em 1994 e gerido pela Secretaria municipal de Habitação, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Favela-Bairro leva para as comunidades, entre outros benefícios, obras de urbanização e infraestrutura. O programa já beneficiou 140 favelas. Outras 20 serão atendidas na terceira versão do projeto, que prevê a implantação de sistema de controle e monitoramento da expansão por imagens de satélite.

Já os Pousos, geridos pela Secretaria de Urbanismo, foram instalados em algumas $, acompanhando o Favela-Bairro. Sua função é fiscalizar o cumprimento da legislação urbanística, dando orientação técnica e social aos moradores em suas construções. Segundo o estudo do IPP, as comunidades que não receberam o Favela-Bairro cresceram quatro vezes mais do que as beneficiadas pelo projeto. Já as urbanizadas sem Pouso cresceram 6,16 vezes mais do que as com o Pouso. RCV defende ação permanente do governo
Para o Rio Como Vamos, o estudo do IPP comprova que, quando o poder público se faz presente, levando infraestrutura e serviços, o crescimento desordenado das favelas é minimizado, possibilitando a melhor distribuição dos serviços e a melhoria das condições de moradia. O movimento destaca, contudo, que mesmo programas elogiados, como o Favela-Bairro, não são suficientes para resolver os problemas, se os órgãos do governo não derem atendimento permanente.

- A continuidade das políticas públicas voltadas para as comunidades populares é condição sine qua non para a me$da qualidade de vida de seus moradores. A descontinuidade tem representado não só um inadmissível desperdício, mas prejuízo para quem vive essa realidade e conta apenas com a ação do Estado - ressalta Rosiska.

O Morro da Fé, no Complexo da Penha, parece ser um exemplo disso. Lá, nem o Favela-Bairro, concluído em 1998, tampouco o Pouso foram suficientes para pôr fim à expansão desordenada ou resolver os problemas de saneamento. Na área de reflorestamento em volta da comunidade, por exemplo, pelo menos dez casas foram erguidas nos últimos anos. Para a presidente da associação de moradores, Nêmese da Silva do Nascimento, a explicação para a favela continuar crescendo é que faltou o poder público se fazer presente de forma mais contundente na comunidade, dando continuidade às obras.

- Em 98, eles urbanizaram as ruas na entrada da comunidade, mas, nos pontos mais altos, as valas negras continuaram. Até hoje, o esgoto se mistura com a rede de água pluvial e, quando chove, tem casa invadida por água podre. O re$parou e o número de garis comunitários caiu de 29 para 20, para atender a todo o Caricó, formado por seis das dez comunidades da Penha. Isso sem falar nas casas em áreas de risco. Se houvesse uma manutenção dos projetos e obras na comunidade, isso não estaria assim - acredita Nêmese. Manutenção da rede de esgoto pode voltar ao estado

E os imóveis em áreas de risco no Morro da Fé não estão apenas nos pontos de ocupação recente. Na Rua do Coqueiro 20, uma casa está ameaçada por um barranco que há tempos vem cedendo e encostando nas paredes. No alto do barranco, há um sobrado que, ao perder a sustentação, pode também desabar sobre a casa onde mora a família de Terezinha Francisca da Costa, de 48 anos. A residência foi interditada em fevereiro pela Defesa Civil municipal, que recomendou a realização de obras.

- Levamos 20 anos para construir dois quartos, um banheiro com vaso e pia e conseguir colocar laje. Agora, quando chove, corremos para a casa da minha irmã, com me$de o sobrado cair na nossa cabeça. Pedi ajuda à Defesa Civil e me disseram que a obra tem que ser por minha conta. De onde eu vou tirar dinheiro para fazer a contenção do barranco? - pergunta Terezinha.
O secretário municipal de Habitação, Jorge Bittar, reconhece que há duas carências históricas no atendimento às favelas. Uma delas é justamente a falta de conservação das obras após o Favela-Bairro. Ele garante que o atual governo quer corrigir essa falha. Para tanto, já há um grupo de trabalho empenhado em montar um modelo para a prestação contínua de vários serviços nas favelas, semelhante ao programa do gari comunitário, em que a prefeitura usa mão de obra local. A outra carência é na manutenção da rede de esgoto das favelas, que era atribuição da Cedae, assumida pelo governo Cesar Maia. Segundo Bittar, o município não tem condições de oferecer esse serviço e já negocia devolvê-lo ao estado.

Fonte: O Globo

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